terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A caixa de memórias

Tive dois momentos marcantes com Seedorf. O primeiro foi logo na estreia, em meados de 2012. Durante a semana que antecedeu o jogo contra o Grêmio, pelo Brasileirão, tive o ímpeto de procurar uma excursão que levasse botafoguenses de Campos até o Engenhão, e trouxesse de volta. Teria que ser algo muito seguro: levaria, como levei, meus dois filhos maiores. Com referências, encontrei o grupo certo. Revelei a aventura aos guris no sábado, a véspera. Me emocionei, quase chorei, e notei um incrível brilho no olhar deles. Aquela luz que faz qualquer pai mover montanhas.

Na manhã do domingo lá estávamos nós três no local e horário marcados para o embarque. O amigo Hugo Soares, acompanhado de uma bela morena alvinegra, nos acompanhou na empreitada. No ônibus, as cantorias naturais de uma torcida apaixonada. Tinha mais gente com a família. Os meninos viraram quase mascotes, dado aos carinhosos cuidados que receberam. Já na porta do estádio, se espantaram com a multidão e com a grandiosidade da praça esportiva. Estavam mais acostumados ao aconchegante e acanhado, para aqueles padrões, Ary de Oliveira e Souza, o "Aryzão", do Goytacaz.

Ao avistarem o gramado, nova surpresa. Estava descortinado um mundo mágico, imenso. Uma galáxia em preto-e-branco, tingida de azul por um pequeno grupo de gremistas. O Botafogo pisa o gramado, estrelado (redundância à parte) por Seedorf. As arquibancadas quase desabaram. O craque do video-game era de carne-e-osso. Estava ali, batendo bola às nossas vistas. Ele mesmo, o surinamês naturalizado holandês. Aquele que parou o aeroporto quando chegou. Nossas esperanças de título, de um futuro melhor para o Botafogo. O homem que causaria tremedeira nos adversários e muitas vibrações em toda gente alvinegra.

Apesar de toda euforia, o Grêmio venceu por 1x0 - gol de Marcelo Moreno. Quase 35 mil botafoguenses voltaram para casa com a estranha mistura de sensações. A decepção pela derrota envolta na expectativa por dias melhores. Era só o primeiro jogo de dois longos anos. Tive que explicar às crianças sobre o revés, pondo na conta do falível roteiro da vida, e projetando num futuro muito próximo motivos de sobra para sorrir. E eles vieram com a boa performance de Seedorf nas partidas seguintes. Desempenho, contudo, incapaz de alçar o Botafogo a uma posição mais digna na tabela, ao fim do campeonato.

Chegou 2013 e, com o novo ano, renovados sonhos. Eu tinha uma obrigação familiar moral, íntima mesmo, de mostrar aos moleques quem era Seedorf, o grande Seedorf. Pela tabela do Campeonato Carioca, o Botafogo enfrentaria o Macaé, em Macaé. Bem mais perto que o Rio de Janeiro. Já tínhamos ido no ano anterior (vitória por 3x0). Novamente Hugo nos deu o prazer da companhia, desta vez sem a encantadora parceira de seis meses antes. Percorremos os 100 quilômetros entre as duas cidades de carro, num verão ensolarado. Viagem tranquila. Chegamos cedo ao "Moacyrzão". Nos instalamos confortavelmente, com ótima visibilidade.

Logo no começo o Macaé surpreendeu e cravou 1x0. Em um lance confuso na área, Seedorf deixou tudo igual. Pronto, assistimos um gol dele. E outros dois. O 3x1, de virada, no placar final, entrou para a história. Para a nossa, particular. Queríamos um golzinho, tivemos três. E para a dele próprio, que deixou o campo aos prantos. Foi um choro para todos, creio. Pela primeira vez na vitoriosa carreira Seedorf havia balançado a rede tantas vezes num único confronto. Pediu música no Fantástico. Nós, extasiados, não precisamos pedir mais nada. Está tudo bem guardado em nossa caixa de memórias. Valeu pela parceria implícita, Seedorf!

Álvaro Marcos

2 comentários:

  1. Pena não ter ido naquela partida em Macaé, Álvaro. Como você sabe, eu tive meus motivos. Se eu já me lamentava antes, a sensação de arrependimento é maior ainda agora que sei que não terei mais oportunidades. Mas, de qualquer maneira, naquele dia em que eu estava muito sensível pude ao menos me emocionar ao ouvir a bela música que Seedorf pediu no Fantástico, One Moment in Time, de Whitney Houston: http://www.youtube.com/watch?v=A4wboStQPKU

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  2. Com atraso, mas ainda em tempo - espero - venho não deixá-lo mentir só sobre as aventuras nos jogos do nosso ídolo atual morador de Milão... rsrs. Verdadeiramente foram momentos marcantes e especialmente em Macaé, ao ver três gols do craque num jogo em que tudo parecia caminhar para dar errado, lavamos a alma! Lembro-me bem da chuva torrencial na volta para Campos e sobrevivemos para ver o Fogão da Libertadores novamente! Saudações Alvinegras

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