terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Pílulas de amenidades para aliviar a tensão

Lembrando que além da final da Sul-Americana nesta quarta, às 21h50 de Brasília ("Há um Lanús no fim do túnel!"), na quinta está previsto o anúncio do novo técnico e o sorteio dos grupos da Libertadores. Vamos lá!


Clarice Lispector morreu um dia antes de nascer. Isto mesmo que você está lendo. A escritora ucraniana radicada no Brasil completaria nesta terça-feira (10/12), 93 anos, se estivesse viva. O curioso é que Clarice Lispector morreu no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de comemorar o aniversário de 57 anos. Para ela: “Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem”. Para mim Deus é o Sol. Por isso não podemos chegar perto Dele.

Nascida Haia (Vida), naturalizou-se brasileira e virou Clarice. Morou no Recife e no Rio de Janeiro. Na antiga capital federal, escreveu para o jornal Correio da Manhã uma seção feminina, na qual usou o pseudônimo Helen Palmer, que tem rendido uma série no Fantástico intitulada Correio Feminino, aliás muito bem dirigida pelo inovador Luiz Fernando Carvalho, com um visual colorido, câmera movimentada e o texto, como não podia deixar de ser, primoroso. Além, é claro, da boa e surpreendente interpretação da bela Luiza Brunet, que caiu muito bem no papel. Mas por que falar de Clarice Lispector num Blog sobre o Botafogo? Simplesmente porque ela era declarada botafoguense. Numa crônica que escreveu para o Jornal do Brasil (JB) – extinto no impresso, agora só on-line – e que foi publicado no dia 30 de março de 1968, Clarice fala sobre seu amor ao time da estrela solitária.


Clarice Lispector, a antepenúltima em pé da esquerda para a direita, faz parte da seleção de artistas botafoguenses. (Imagem ilustrativa inclusa no livro "Botafogo - Entre o Céu e o Inferno", de Sérgio Augusto)

O texto é uma resposta a uma provocação do também botafoguense, o poeta Armando Nogueira, que afirmou que trocaria uma vitória do seu time por uma crônica de Clarice Lispector sobre futebol. No que Clarice respondeu com a crônica: ““Armando Nogueira, futebol e eu, coitada”, cujos trechos você caro leito confere a seguir:

“(...) Deixe eu lhe contar minhas relações com futebol, que justificam o coitada do título. Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo. É o seguinte: não me é fácil tomar partido em futebol – mas como poderia eu me isentar a tal ponto da vida do Brasil? – porque tenho um filho Botafogo e outro Flamengo. E sinto que estou traindo o filho Flamengo. Embora a culpa não seja toda minha, e aí vem uma queixa contra meu filho: ele também era Botafogo, e sem mais nem menos, talvez só para agradar o pai, resolveu um dia passar para o Flamengo. Já então era tarde demais para eu resolver, mesmo com esforço, não ser de nenhum partido: eu tinha me dado toda ao Botafogo, inclusive dado a ele minha ignorância apaixonada por futebol. Digo “ignorância apaixonada” porque sinto que eu poderia vir um dia apaixonadamente a entender de futebol.

E agora vou contar o pior: fora as vezes que vi por televisão, só assisti a um jogo de futebol na vida, quero dizer, de corpo presente. Sinto que isso é tão errado como se eu fosse uma brasileira errada.

O jogo qual era? Sei que era Botafogo, mas não me lembro contra quem. Quem estava comigo não despregava os olhos do campo, como eu, mas entendia tudo. E eu de vez em quando, mesmo sentindo que estava incomodando, não me continha e fazia perguntas. As quais eram respondidas com a maior pressa e resumo para eu não continuar a interromper.

Não, não imagine que vou dizer que futebol é um verdadeiro balé. Lembrou-me foi uma luta entre vida e morte, como de gladiadores. E eu – provavelmente coitada de novo – tinha a impressão de que a luta só não saía das regras do jogo e se tornava sangrenta porque um juiz vigiava, não deixava, e mandaria para fora de campo quem como eu faria, se jogasse (!). Bem, por mais amor que eu tivesse por futebol, jamais me ocorreria jogar...Ia preferir balé mesmo. Mas futebol parecer-se com balé? O futebol tem uma beleza própria dos movimentos que não precisa de comparações.

Quanto a assistir por televisão, meu filho botafoguense assiste comigo. E quando faço perguntas, provavelmente bem tolas como leiga que sou, ele responde com uma mistura de impaciência piedosa que se transforma depois em paciência quase mal controlada, e alguma ternura pela mãe que, se sabe outras coisas, é obrigada a valer-se do filho para essas lições. Também ele responde bem rápido, para não perder os lances do jogo. E se continuo de vez em quando a perguntar, termina dizendo embora sem cólera: ah, mamãe, você não entende mesmo disso, não adianta (...) ”.


Clarice termina o texto, que também pode ser lido no livro “A descoberta do mundo” (Editora Rocco, 1984), devolvendo o desafio a Armando Nogueira, sugerindo que ele escrevesse sobre a vida.
Aliás, Clarice tinha uma relação com a morte. Em um poema, outro (salvo engano) botafoguense, João Cabral de Melo Neto, conta que Clarice ao ouvir uma conversa de algumas pessoas, homens em sua maioria, sobre futebol, teria dito, coisa do tipo: “Vamos deixar de falar de futebol e vamos falar da morte”.
Talvez por isso, ela tenha morrido um dia antes de comemorar aniversário. Ela que tem como livro mais famoso, “A Hora da Estrela”, mais uma obsessão da escritora, a estrela, que aparece em outros textos, como na citação no início deste, e que pode muito bem ser uma referência ao seu clube do coração.

Wesley Machado

2 comentários:

  1. Olha, Walnize, minha amiga! Que surpresa ter você por aqui. Quer dizer que você gostou? Também como não gostar de Clarice Lispector? Ainda mais uma grande escritora como você. Seja bem vinda ao nosso espaço e volte sempre!

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